Alguns anos atrás, o mercado fonográfico era monopolizado pelas gravações de alta qualidade, gravadas em grandes estúdios, por competentes profissionais.
Se alguma música era veiculada no rádio ou na televisão, tínhamos a certeza de que ela possuía um nível muito bom de qualidade de gravação.
É verdade que nem sempre a qualidade musical acompanhava a qualidade da gravação. Sempre existiram músicas ruins de grande sucesso comercial. Porém, nos últimos anos, um detalhe a mais foi incluído: a má qualidade do registro fonográfico.
Em outras palavras, para que uma música caia no gosto popular e alcance o sucesso atualmente, não é necessário que tenha qualidade musical, nem qualidade de gravação.
Esse fenômeno ocorre devido a três fatores:
1º facilidade de registro de áudio – Hoje em dia qualquer aparelho tem um gravador, seja celular, tablet, computador, etc.
2º facilidade de veiculação das músicas na internet – Qualquer pessoa pode divulgar qualquer conteúdo na web com extrema facilidade e de forma ilimitada.
3º pouca exigência dos ouvintes – Grande parte da população não tem a percepção necessária para julgar o que é bom ou ruim em matéria de áudio.
Que ninguém pense que eu estou aqui lamentando os fatos. É evidente que os dois primeiros fatores citados são recursos trazidos pelo desenvolvimento tecnológico para o benefício de todos e que possuem diversas utilidades. O terceiro fator trata-se de uma realidade dificilmente modificável e, até certo ponto, compreensível.
Para que os leitores deste artigo compreendam melhor do que estou falando, vou apresentar dois exemplos que me fizeram despertar para esse fenômeno. Não são casos muito atuais (já percebo isso há alguns anos), mas servem perfeitamente para ilustrar o que digo.
EXEMPLO #1: MULHER (PROJOTA)
Conheci esta canção quando uma aluna minha disse que gostaria de aprender a tocá-la no violão. Chegando em casa, liguei o computador na intensão de ouvir a música e transcrever seus acordes para posteriormente ensinar à aluna.
Quando baixei a canção (no site 4shared), ouvi e acreditei se tratar de um “cover”: algum artista amador teria feito uma gravação interpretando a canção e disponibilizado no site de downloads. Então, no mesmo site, baixei outro mp3 (de outro usuário) na esperança de encontrar a versão “oficial”.
Fiquei decepcionado ao constatar que se tratava do mesmo fonograma. Não convencido, experimentei baixar um terceiro mp3, de usuário diferente. Novamente era a mesma versão.
Sem entender muito bem porque aquele suposto “cover” era tão difundido na internet, fui ao YouTube procurar o “clipe oficial”.
Qual foi minha surpresa ao constatar que aquela era, de fato, a versão original da música. Uma gravação provavelmente feita com um celular, com voz desafinada e tosse, tinha milhões de acessos e centenas de comentários positivos.
Eis a obra:
Quatro anos depois foi lançada uma nova versão, com qualidade bem superior de produção, que atualmente aparenta ter mais acessos (provavelmente por razões de marketing) e que está no canal oficial do Projota.
Mas vale a pena perceber que os fans gostam mesmo é da versão antiga, como mostram os comentários do vídeo da primeira versão:
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EXEMPLO #2: LANCINHO (TURMA DO PAGODE)
Certa vez estava eu trabalhando em uma festa de casamento quando escutei, em extremo volume (como é o padrão hoje em dia em festas), um metrônomo ressoar pelo salão: click, click, click…
Depois de alguns compassos ouvi uma voz: “um, dois, um, dois, três e…”
Logo em seguida veio uma voz desafinada: “uh, uh, uh, uh…”
Curioso em saber do que se tratava aquela música estranha, prestei atenção no que pude. Percebi que o metrônomo durava por toda a canção, em volume superior aos instrumentos. Decorei um pedaço da letra para quando chegar em casa procurar no Google o nome da canção e seu intérprete.
Quando finalmente cheguei, liguei o computador e fui pesquisar. Encontrei no YouTube duas versões: uma ao vivo e outra igual a que eu ouvi na festa.
Ouvindo com atenção, percebi que se tratava de uma “guia de estúdio” que “vazou” na internet. Para quem não sabe, “guia” é uma gravação provisória, gravada sem muita preocupação em relação a qualidade da execução ou canto, simplesmente para servir de referência na hora da captação dos instrumentos no estúdio. Posteriormente a gravação guia é totalmente descartada, restando apenas os instrumentos que foram gravados “pra valer” e a voz é regravada com mais qualidade.
Ou seja, a gravação “guia”, com click e tudo, que tem por fim o descarte, está sendo consumida pelos ouvintes tanto quanto a versão oficial, finalizada. Seu vídeo no YouTube possuí quase 4 milhões de acessos e centenas de comentários positivos.
Eis a “guia”:
(Originalmente eu havia colocado aqui o vídeo do Youtube, mas ele foi removido. Porém, para nossa sorte (ou não) eu ainda tenho uma versão mp3.)
Então é isso! Espero que tenha gostado da análise. Sinta-se à vontade para criticar, elogiar, comentar e acrescentar novas informações, terei prazer em ouvi-lo.
Grande Abraço!
Ludwig Calixto
Amigo. Estou estudando microfones para fazer meu Canal no Youtube, pois sou totalmente Leigo e nem onde encontrar eu sei, mas estou em busca. Realmente é impressionante! É uma facada em todo esse nosso estudo. Parabéns por este artigo.